Painel do Mundo
Por Giovanni Nobile (28/11/2021)
Futebol de mesa é prosa, botão é poesia. Pego emprestados os versos da música de Rita Lee para traçar comparações e para, por tabela, roubar o título da canção para a crônica deste domingo, que finaliza esta temporada da coluna Tá no Filó do Mundo Botonista, em 2021, já que "amor e sexo" chamam a audiência. Deu certo? Então, obrigado por estar aqui, mais uma vez, conosco. Pegue seu chá, se você for de chá, seu café, se for de café, seu chimarrão, se for de chimarrão. O Mundo Botonista congrega o Brasil e o mundo e é muito legal estar aqui escrevendo mais uma crônica de domingo.
Mesmo como colunista recente aqui do Portal, tomo a palavra para dizer que, sem dúvida - da mesma forma como vimos, nesta semana, que a esmagadora maioria dos botonistas considera esta plataforma como um grande salto e principal ponto de integração virtual do futebol de mesa - todo o Mundo Botonista tem muito a agradecer, especialmente a vocês, nossos estimados leitores, jogadores, artesãos dos times, campos, bolas, palhetas e flanelas, técnicos, torcedores, cartolas... Como a temporada de feriados está começando, cabe expressar nosso agradecimento a vocês que fazem parte da comunidade MB por mais um ano juntos. Dito tudo isso, uma das questões que movimentaram a semana foi o debate sobre a proximidade do futebol de botão (vidrilhas) com o ambiente federado do futebol de mesa. E aí fui buscar um pouco em Rita Lee e um pouco por aí algumas referências para cravar que futebol de mesa é prosa, enquanto o futebol de botão é poesia. E que não há hierarquia de valores de um sobre o outro, aqui. São apenas características.
Encontrei um artigo bem interessante que se chama "O 'futebol de poesia' na Literatura e na Música Popular Brasileira", de Elcio Loureiro Cornelsen, da Faculdade de Letras da UFMG. Lá, ele cita que em janeiro de 1971, no jornal Il Giorno, o cineasta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini chegou a denominar o calcio di prosa (futebol de prosa) e o calcio di poesia (futebol de poesia). O de prosa seria o futebol europeu mais tático e estratégico, enquanto o de poesia, seria o brasileiro, da ginga, movimento e ritmo. O nascimento da definição traçada por ele teria sido o tri do Brasil em 1970. Ele teria colocado o drible como uma das características do futebol de poesia, enaltecendo a diversão e o lado lúdico do povo brasileiro com o futebol. E é aqui que encontro a base para considerar que o futebol de botão é poesia: pelo seu lado lúdico e de diversão.
E nessa de que futebol brasileiro é (ou era?) poesia, vocês sabiam que o parceiro de “peladas” do poeta Ferreira Gullar foi um dos maiores pontas-esquerda do futebol brasileiro: nada mais nada menos que Canhoteiro, tido por Chico Buarque como seu verdadeiro grande ídolo? Pois é. E em uma coluna publicada no jornal O Globo em 1998, Chico escreveu que uma vez Tostão tinha perguntado se o futebol do Denilson lembrava o Canhoteiro, que Chico tinha visto jogar na década de 1950. "Vinda de quem vinha, aquela pergunta me paralisou", escreveu Chico. Ele disse que ficou postado na praça, sem raciocínio, olhando para o Tostão. E é aqui nesse trecho do relato de Chico que entra uma parte legal desse texto, de título "Com os meus botões": "Quando topamos um craque de bola no meio da rua, vestido à paisana, andando como a gente anda, falando como a gente fala, nós, amadores, sempre nos atrapalhamos. Viramos idiotas. Certa vez fui apresentado a um antigo centromédio do Santos, o Formiga. Depois de um breve diálogo, o assunto esgotado, sem saber por que continuei a encará-lo. O silêncio se prolongava, incômodo, e ainda encasquetei de colocar a mão no ombro do Formiga. Com o polegar, comecei a pressionar de leve a sua clavícula, e me lembro que ele ficou um pouco vermelho. Então me dei conta de que, pela primeira vez na vida, conversava pessoalmente com um botão. Formiga tinha sido um dos meus melhores botões, apesar de meio oval, um botão de galalite, vermelho". Acho esse parágrafo genial. É que ele traduz o lúdico do botão e carrega, em si, muita poesia.
Bom... mas vocês talvez já estejam meio acostumados com os rodeios dos meus textos. Lembra muito o ritmo do meu jogo, inclusive. Pra lá, pra cá... e quando arremata, nem sempre temos um gol. Mas valeu pelo "drible". E nessas firulas, gostaria de seguir para a minha jogada final desta temporada. Justamente trazendo uma poesia, citada no artigo acadêmico que relatei acima. A poesia se chama "Gol", de Ferreira Gullar. Diz que trata, originalmente, sobre o gol no futebol, seja ele de prosa ou de poesia. O fato é que poderia ser também sobre o nosso gol de futebol de mesa ou de botão. Afinal, botão pode até ser um. Futebol de mesa são dois. Diria Rita Lee que botão é isso, é aquilo e coisa e tal. E tal e coisa. E sem enrolar, vamos à poesia de Gullar:
"A esfera desce
do espaço
veloz
ele a apara
no peito
e a para
no ar
depois
com o joelho
a dispõe à meia altura
onde
iluminada
a esfera
espera
o chute que
num relâmpago
a dispara
na direção
do nosso coração."
(Gullar, 2010).
E assim, com um gol no sino, finalizo esta temporada com vocês, nesta boa prosa que é nosso futebol de mesa, sem deixar de lado a poesia do nosso futebol de botão. Até mesmo porque futebol de mesa é para sempre. Botão também. Eles são do bom, são do bem.
Giovanni Nobile é jornalista e fundador do Águia Branca Futebol de Mesa (time que nasceu nas quadras de futsal em Santo Antônio da Platina, no Paraná, fez um jogo em 1997, ganhou, e se orgulha de ser o time há mais tempo invicto no mundo - tudo bem que nunca mais jogou, mas essa é outra história). Seu melhor resultado nas mesas foi um vice-campeonato de etapa na série extra da Liga União, cuja medalhinha tem guardada até hoje. Há mais de 10 anos, vive em Brasília. Por aqui, traz crônicas aos domingos sobre o nosso Mundo Botonista.
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