Painel do Mundo

o blog do
MUNDO BOTONISTA
Por Márcio Bariviera (05/07/2020)

Querido diário...

Querido diário: escrevo em tom de despedida. Estamos na tarde de uma quinta-feira chuvosa e fria de um inverno qualquer. Ou seria sexta? Enfim, sei que são meados dos anos 80. Ou seria 90? Me perdi no tempo. Quem sabe devido ao fator emocional deste momento. Mas logo passa. Espero.

Talvez as páginas deste caderno cheio de orelhas nunca presenciaram um relato tão melancólico. Menos mal que orelhas não leem, apenas escutam. Assim elas são poupadas de ficarem tristes, também. Ah, uma observação: todo caderno de criança tem orelhas, meu caso não é exclusividade.

Hoje estou me separando de meu velho campo de botão, querido diário. Sou uma criança, ainda não sei medir o quanto dói sentir na carne a perda de um ente querido, como vi meus pais perderem os seus. Mas já começo a imaginar que é como se fosse.

Meu campo e eu temos muitas histórias, diário amigo. Ninguém sabe de nossas cumplicidades, de nossos segredos, até de nossas brigas. As brigas, entretanto, duravam pouco tempo. No outro dia eu precisava dele, não tinha jeito. E, assim, ia pedir desculpas e o presenteava passando um pano com cera. Deixava-o bonito, lisinho e cheiroso. Não vou conseguir provar, mas tenho certeza de que ele sorria para mim e me desculpava. Sempre.

Vou sentir falta até mesmo daquelas duas setas de plástico, em vermelho, as quais apontavam gols do 0 ao 9. Acredita, diário, que nunca as usei? Até me incomodava elas estarem ali, uma atrás de cada gol, mas nunca quis fazer uso delas. Achava um placar eletrônico chinfrim, então eu as tratava com indiferença. Meu coração pesa e ainda tenho tempo para tirá-las do campo e guardá-las como única recordação. O que seria injusto, depois de tanto tempo ignorando-as.

Diário, querido, minha mãe me deu um campo novo. Maior, brilhoso, lindo. Estou escrevendo essas linhas e olhando para ele, escorado na parede aqui em meu quarto. Ao seu lado, também escorado, o campo que ela exigiu que fosse doado, que saísse daqui numa espécie de despejo. Ela desconsiderou toda a nossa história, todos os nossos momentos muito bem vividos. Mas eu entendo. A vida é feita de ciclos. Ele precisa ir (e levará, independente de sua nova casa, um pedacinho de meu coração).

É hora de partir. Vou ali abraçá-lo. E, já decidi, as setas vermelhas, meu placar eletrônico chinfrim, ficarão comigo. Tenho certeza que elas também irão me perdoar. Olho o campo pela última vez e ele parece estar com umas gotículas. Talvez a umidade do inverno, talvez o seu choro, a sua dor particular por ter de ir embora.

Era isso por hoje, querido e orelhudo diário. Desculpe o desabafo, mas ele está sendo necessário nesta quinta-feira chuvosa e fria de um inverno qualquer. Ou seria sexta? Talvez o fator emocional fez com que eu me perdesse no tempo. Logo passa. Espero...

O gaúcho de Rodeio Bonito, Marcio Bariviera é gerente administrativo do União Frederiquense, clube que disputa a Série A2 do Gauchão, além de assinar uma coluna semanal no jornal O Alto Uruguai, de Frederico Westphalen-RS. Rock e futebol de botão são duas paixões desde a infância (e se puder dar palhetadas ouvindo Led Zeppelin fica time completo).

....................................

marcio_bariviera@mundobotonista.com.br
(055) 99988-6612

Biblioteca de "Botão_raiz"
Reler publicações anteriores de Márcio Bariviera
Posts anteriores 
Por Carlos Claudio Castro 29 de janeiro de 2025
Dr. Regras
Por Alysson Cardinali 28 de janeiro de 2025
Planeta Dadinho
Por Jeferson Aparecido 14 de janeiro de 2025
Notícias do Mundo
Por Luiz Oliveira 20 de dezembro de 2024
Losers
Mostrar mais
Share by: