– Nas duas traves e entrou! Nas duas traves e entrou! – disse Arnaldo, chegando em casa após o torneio de botão na tarde daquele sábado.
– O que foi, amor? – perguntou Eunice.
– Nas duas traves e entrou! – continuou Arnaldo.
– Você pode ser mais claro? – insistiu ela.
– Nas duas traves e entrou...
Na manhã de domingo, por volta das sete horas, Eunice liga para o Dr. Luiz, botonista e amigo da família, contando toda a história.
– É isso, Dr. Luiz. Ele não para de dizer “nas duas traves e entrou”. Não fala coisa com coisa.
– Questão emocional, logo passa. Deve ter sido por que perdeu a final do torneio de ontem. Eu estava lá. Jogo empatado e no último lance o Nelson fez o gol da vitória. A bola tocou nas duas traves antes de entrar – falou Dr. Luiz.
– Ele perdeu para o Nelson?
– Sim. Por quê?
– Porque ele e a Natália virão almoçar conosco hoje. Ou viriam, no caso.
– Relaxa, Eunice. Faz o seguinte: conta tudo para o Nelson e combinem para que eles joguem outra partida depois do almoço. Claro, diga para o Nelson apostar algo simples e entregar o jogo.
Nelson e Natália chegam por volta das 10 horas.
– Faaaala, meu freguês! Tudo certo? – disse Nelson, numa espécie de “chegar chegando”.
– Nas duas traves e entrou... – Arnaldo respondeu.
Todos viram que o Arnaldo não estava bem. Logo passa, diria o Dr. Luiz. Assim, Eunice e Nelson sugeriram uma revanche para o anfitrião, mas ele parecia aquele cara que bebera todas e, no auge da ressaca, prometera nunca mais beber.
Depois do almoço, enfim, Nelson convenceu Arnaldo, o qual fizera um belo churrasco e que já aparentava estar melhor, a jogar. A aposta, entretanto, foi bastante esquisita.
– Jogamos até alguém fazer um gol com a bola batendo nas duas traves antes de entrar – sugeriu Arnaldo.
– Claro, sem problemas – concordou Nelson.
– Se eu ganhar você não precisa me pagar nada. Se eu perder, saio correndo só de cuecas pela rua – completou Arnaldo.
Nelson concordou. Até por que, de propósito, não iria fazer gol no Arnaldo. Tudo pela melhora de seu grande amigo, pensou.
E começou a partida. Não importaria o placar. O que valeria mesmo era aquela espécie de “gol de ouro”. Até que, quase uma hora depois, meio que sem querer, Nelson finaliza com total displicência e a bola, adivinhe!, toca nas duas traves e entra. Que mancada!
– Não acredito! De novo, não! Nããããooo! – saiu berrando Arnaldo, enquanto tirava peça por peça de suas roupas em direção à porta principal da casa. Ele foi tão rápido que ninguém conseguiu contê-lo. Nem mesmo as esposas, que saboreavam a sobremesa e tagarelavam na varanda.
Eunice, Deus a proteja, teria uma nova ligação para fazer: acionar o Dr. Alexandre, advogado e também amigo da família, para possivelmente buscar o Arnaldo na delegacia de polícia mais próxima.
Nas duas traves e entrou... De novo.