Painel do Mundo
Por Alysson Cardinali (11/06/2024)
Não sou um
expert em filosofia, mas tomo a liberdade de adaptar a definição de Aristóteles e afirmar: o esporte (assim como a arte) imita a vida. Afinal, ganhos e perdas, vitórias e derrotas, alegrias e tristezas, bons e maus momentos são situações intrínsecas à nossa existência, seja lá em quais meios nossos instintos nos levem a (tentar) sobreviver. Como diria Caetano Veloso, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Portanto, ser um artista ou um desportista não nos livra dos amores e dissabores vividos tanto no dia a dia de reles mortais quanto nos palcos ou nas quadras, por exemplo. E isso vale, obviamente, para nós, botonistas apaixonados pela vida e pelo futebol de mesa — independentemente de qual regra se pratique. Seja no Dadinho, na 12 Toques, no Subbuteo, na 1 Toque (...), todos temos que lidar com momentos de frustração, de decepção, de dor.
Aliás, como diria o "Mão Santa" Oscar Schmidt, a dor faz parte do uniforme — quem aí já não deu suas palhetadas com a coluna latejando, as mãos feridas ou os joelhos em petição de miséria? Mas a dor a que me refiro é mais profunda, mais intensa, mais (desculpe o pleonasmo) dolorosa. Beira a tragédia! Mas não uma “simples” tragédia.
Existem tragédias que vão muito além do jogo (mal) jogado, do gol perdido, de uma goleada sofrida, de um título que se esvai pelos dedos no tem-chute. Existem tragédias mais profundas, com perdas inesperadas e irrecuperáveis de algo insubstituível, inesquecível. Sim, isso acontece com alguma frequência, mesmo no futebol de mesa.
Alguns times de futebol de campo foram dizimados em acidentes aéreos. Verdadeiras tragédias históricas. Torino (1949), Manchester United (1958), The Strongest (1969), Alianza Lima (1987), Chapecoense (2016) são equipes — só para citar algumas — que viram seus jogadores perderem a vida de forma brutal e abrupta. A morte (olha aí o esporte imitando a vida) não escolhe hora, dia, local e muito menos as suas vítimas.
No futebol de mesa, algumas vezes (raras, felizmente), passamos por algo semelhante — guardadas, obviamente, as devidas proporções. Tenho amigos que viveram a tragédia de perder (literalmente) seu time predileto, aquele que jogava por música, campeão de tudo. É claro que botão não morre, pois não tem vida (será?). Mas o trauma de ver sua equipe evaporar, sumir do mapa, assim, de sopetão (roubada, por exemplo), é um sentimento quase fúnebre, um doloroso luto.
Sumiço, roubo, perda... A dor da ausência, a (quase) certeza de que aquele time ou seleção que tanto nos motivava a ir às mesas, que só nos dava alegrias a cada gol, a cada vitória, não vão passar de doces memórias e um trágico desafio a ser superado. E o que dizer daquele craque (Maradona, Puskas, Zico, Cristiano Ronaldo...) que tanto veneramos ser inutilizado para a prática do futebol de mesa?
Uma queda acidental e inesperada no chão, a formação do famoso dente na bainha do botão, após um choque com um adversário durante a partida, o fim precoce de uma carreira promissora — além do desfalque temporário da equipe. Um artesão, tal qual um cirurgião (olha o esporte e a vida unidos de novo) pode reparar o “paciente, mas dificilmente a reposição fará jus ao original ou àquele que jogava anteriormente.
Escrevo isso com conhecimento de causa. Ah, o meu Fillol, que brilhava no River Plate, e que deixei cair quando o guardava na caixa e que se dividiu em pedaços. Também sinto falta de Palacios, que voou da mesa e foi ao chão, trincando o seu acrílico, após se chocar com a trave. Tragédias irrelevantes perto das duras agruras da vida, mas que, para um apaixonado não só pelo futebol de botão, mas pelos esquadrões e craques que coleciona, tem um peso imenso e ganha, sim, ares trágicos e dolorosos. Que Deus os (e nos) proteja de novas amarguras deste quilate!
Biblioteca de "Planeta Dadinho"
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Nascido em Nova Friburgo (RJ) em 1971, mas morando há mais de 30 anos na cidade do Rio de Janeiro, o jornalista esportivo Alysson Cardinali, com passagens pelos jornais O Fluminense, Jornal dos Sports, O Dia e Expresso (Infoglobo), revistas Placar e Invicto, além do canal SporTV, é um apaixonado não só pela profissão, mas pelo futebol de botão. Praticante da modalidade dadinho, Alysson é atleta federado, pelo São Cristóvão Futebol e Regatas, na Federação de Futebol de Mesa do Rio de Janeiro (Fefumerj) e, além de disputar as competições oficiais pelo Brasil, pretende divulgar o esporte e angariar cada vez mais praticantes para perpetuar o futebol de botão entre as futuras gerações.
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