Painel do Mundo
Por Tião Barbosa (06/07/2023)
Eles são do mesmo tamanho, baixinhos, e muito parecidos, embora não concordem com isto. Aliás, eles não concordam em quase nada. Um acusa o outro de ter trapaceado em partidas decisivas, entre elas a final de um campeonato brasileiro e a final de um torneio no Espírito Santo - quando um deles inventou a regra do “goleiro e meio”, o que quase virou um caso de polícia.
Sérgio e Rodrigo são gêmeos e aficionados por futebol de mesa. Começaram a jogar aos seis anos, com botões panelinhas. Cada um tinha quatro times e faziam um campeonato entre si e entre os times, jogando no piso da casa da avó. Cada quarto tinha o nome de um estádio, para dar veracidade ao campeonato brasileiro. Por volta dos 18 anos, final da década de 70, eles conheceram a regra um toque e se jogaram de cabeça. Paixão avassaladora e, ambos, craques nesta modalidade. Sergio foi duas vezes campeão brasileiro, e Rodrigo quatro vezes. Títulos estaduais, inúmeros.
Num torneio estadual, em Domingos Martins, valendo o título, zero a zero no placar, Sérgio bateu um lateral e Rodrigo achou algo estranho. “Você obedeceu a regra da distância mínima que a pastilha deve andar ao se bater um lateral?”, questionou. Sérgio, sempre convicto, respondeu rápido: “Claro, a regra diz que a distância mínima que a pastilha precisa percorrer equivale a um goleiro e meio”. O goleiro mede 6 centímetros nesta regra.
Na sequência da jogada, gol de Sérgio, encaminhando o título. Mas, minutos depois, passou um botonista que, conhecendo a história de luta de gladiadores dos gêmeos, não resistiu à tentação e soltou uma piada: “E Sérgio está mais uma vez enganando Rodrigo”. Só que Rodrigo ouvir e quis saber que história era aquela. Então, o botonista “sapo”, aquele que fica sapeando o jogo, teve que responder: “Bom, Rodrigo, a regra diz na verdade que a pastilha deve andar dois goleiros quando se bate o lateral”.
Caiu o mundo em Domingos Martins. A partida era uma final, mas sem juiz. Confusão geral, jogo paralisado. Discussão de regra pra cá, para lá, gêmeos em fúria, até que se chegou a um veredito. Como o próprio Sérgio havia admitido que a pastilha só tinha andado um goleiro e meio no ato de bater o lateral, o gol foi anulado a posterior. Ou seja, minutos depois de ser considerado legal e da partida ser reiniciada, em decisão que pode ser considerada como a pré-história do VAR.
Volta o zero a zero e Rodrigo no final acaba vencendo pelo placar mínimo. “Eu não tive a intenção de trapacear”, disse Sérgio, rindo, relembrando o lance. “Nunca fui detalhista com regra”, justifica. O irmão quase concorda: “Pode ter sido um descuido dele com a regra”.
No que divergem feio é sobre a final do Campeonato Brasileiro de 2008, no Rio. Sérgio venceu por um a zero e ficou com o título. “Ele me levou para uma mesa que conhecia, por saber que a mesa tinha inclinações, descaídas, e assim meus botões leves sentiram muito”, acusa Rodrigo. “Que nada, isto é choro de perdedor”, diverte-se Sérgio, que jogava com botões mais pesados.
Tião Barbosa é jornalista, com passagens pela Folha de São Paulo, Diário do Grande ABC e jornais A Gazeta e A Tribuna, ambos do Espírito Santo, onde mora. Botonista, integra a Futebol de Mesa Independente (modalidade 12 toques), de Vitória-ES. O cronista integra o time de colunistas do Portal Mundo Botonista e a partir de 2023 contribui também como revisor textual das publicações da plataforma.
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