Painel do Mundo
Por Giovanni Nobile (02/04/2023)
Há um silêncio gelado que preenche todas as salas em que se pratica o futebol de mesa. Ele é fruto de toda atenção e de muita concentração em que cada jogada é meticulosamente trabalhada. Quase que artesanalmente, as palhetadas vão construindo lances que, à vista dos que conferem o jogo do lado de fora, parecem jogadas paralisadas no tempo. Os minutos de uma partida se passam com a maioria do tempo tendo os botões parados na mesa. São momentos congelados da partida com os botões espalhados e a bolinha ali, também parada, meio que de canto, esperando uma saída de mestre para uma jogada que já parecia perdida se salvar.
Há um barulho quente e ensurdecedor na cabeça de cada botonista, de coração borbulhante com a emoção à flor da pele para que uma jogada se desenhe na prática da mesma forma que foi imaginada antes da palhetada de fato. É um barulho que é fruto de toda a tensão e também de muita concentração em que cada jogada se move. A torcida vibra. Os cânticos ecoam. A narração vibrante. Tudo na imaginação.
Na sala, os botões parados. Os botonistas caminham em torno da mesa. E, repentinamente, "pléc". Uma palhetada.
Nas mentes, o jogador mata a bola no peito, olha para os lado, observa a zaga na marcação. O técnico esbraveja. A torcida grita, enquanto o vendedor de pipocas passa. A batucada ritmada dá o tom pulsante do coração do futebol na partida. E, então, o lançamento em profundidade para o atacante dominar, ajeitar e se preparar para chutar "pro gol".
Na sala, os botões parados.
No peito, o jogo agitado.
Na sala, uma cena de um jogo de tabuleiro paralisada.
Na mesa, um verdadeiro campo de batalha entre dois times num grande clássico, de estádio lotado e com narradores dando a emoção do jogo.
Quem está do lado de fora de uma partida de futebol de mesa não entende - e talvez nunca entenderá - o que significa esse esporte. E essa talvez seja a grande fronteira entre o futebol de mesa e alguns outros esportes por aí. É que nossa emoção não produz ecos. Ela se abafa no íntimo de cada comemoração contida pelas mesas de clubes pelo país. Há, sim, um silêncio que acaba o estrondo de cada comemoração. Há um silêncio que predomina. Sim, sim... Ele é útil e necessário para a concentração em jogadas, até que duas ou três palhetadas ajeitam a bola como se fosse com a mão. Há um silêncio que preenche as salas. Mas as mentes e corações burbulham, vibram, ecoam até mesmo cânticos de torcidas, hinos de clubes, narrações escondidas na imaginação. E é aí que tá! Quem vê de fora (e, principalmente, quem escuta de fora), ao ver uma partida de futebol de mesa, não percebe a explosão de emoção contida em cada palhetada, que de frame em frame, como num cinema em câmera lenta, faz nascer o lance de um gol nas mesas...
Há um silêncio ensurdecedor que só indica que uma coisa é certa: você nunca vai saber o que é marcar um gol no futebol de botão até que marque um gol no futebol de botão. É nesse instante que todo o silêncio que reside do lado de fora se torna um estrondo de batuques, torcidas, narração do locutor de rádio imaginário, tudo junto e embolado. Quem joga futebol de botão sabe: há um silêncio que abafa o estrondo.
Giovanni Nobile é jornalista e fundador do Águia Branca Futebol de Mesa (time que nasceu nas quadras de futsal em Santo Antônio da Platina, no Paraná, fez um jogo em 1997, ganhou, e se orgulha de ser o time há mais tempo invicto no mundo - tudo bem que nunca mais jogou, mas essa é outra história). Seu melhor resultado nas mesas foi um vice-campeonato de etapa na série extra da Liga União, cuja medalhinha tem guardada até hoje. Há mais de 10 anos, vive em Brasília. Por aqui, traz crônicas aos domingos sobre o nosso Mundo Botonista.
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