Painel do Mundo

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MUNDO BOTONISTA

Por Giovanni Nobile (15/05/2022)

Naquelas manhãs de domingo...

Há 28 anos e duas semana, a TV estava ligada. Pequenos insetos rodeavam pela lâmpada acesa. A janela estava aberta, mas a noite estava quente. Um ar pesado tomava as salas do Brasil inteiro. Um olhar fixo na tela, até meio perdido. Nela, a programação da TV de 1994 exibia, naquele domingo, lances antigos e geniais de Pelé na Copa de 1970. Eram momentos em que o Rei brilhou com um drible ou uma jogada inesperada, mas errou o gol. O som da TV dominava a sala: “... veja, em câmera lenta, o drible perfeito e o capricho da bola que não quis entrar...”. Na tela, um dos mais famosos dribles de Pelé: o corta-luz que fez sobre o goleiro uruguaio na semifinal da Copa de 1970. Por ironia do destino, uma das jogadas mais inteligentes do futebol não resultou em gol: na conclusão o chute de Pelé passou a poucos centímetros da trave. Mas naquele domingo, a produção do programa Fantástico fez a reconstrução, com efeitos especiais, de alguns desses lances. Uma tentativa vazia para tentar alegrar aquele domingo. O narrador tentava animar: “... na repetição, repare como a bola passou perto. Mas agora, sonhe com a gente e vibre com o gol que poderia ter sido”.


Alguns dos insetos trombavam com a lâmpada e, ali mesmo, pereciam no mundo real no mesmo instante em que a bola fictícia do lance incrível de Pelé balançava as redes. Há 28 anos e duas semanas, a noite estava morna e, na pia da cozinha, a torneira não parava de pingar. Há 28 anos e duas semanas, o âncora do programa chamou a notícia momentos depois daquela tentativa inútil de fuga da realidade com alguns gols forjados de Pelé: “Agora voltamos a Bologna, na Itália, com mais informações sobre a morte de Ayrton Senna...”. Havia um grito seco preso nas paredes da garganta. Mas o silêncio dominava, de forma perplexa, a realidade que se descortinava à nossa frente de modo frio, seco, sem rodeios.


Ao longo das diversas reportagens, um dos repórteres dizia que era difícil encontrar uma explicação técnica para um acidente desse tipo. E a vida seguia, de um jeito estranho, mas seguia. Mesmo em tempos sombrios, hoje sabemos que mesmo assim a vida segue. Está muito em nossas mãos saber mudar a realidade. Por coincidência, aquele domingo tinha sido uma tarde de grandes clássicos do futebol brasileiro. Vasco e Flamengo lotaram o Maracanã, enquanto São Paulo e Palmeiras fizeram grande jogo em São Paulo. 

Senna tinha uma forte ligação com o futebol. Em rápida pesquisa, é fácil não cair em fakenews, assim como é rápido e fácil encontrar imagens do momento histórico de 1986, quando o piloto venceu o GP de Detroit e levantou a bandeira brasileira pela primeira vez dentro do seu cockpit. O fato ficou marcado em sua carreira. Naquele tempo, a nossa bandeira ainda era de todos. Aquele gesto, sim, mostrou o orgulho de ser brasileiro de Senna, que se solidarizou com os torcedores do País, que estavam chateados com a derrota para a França nas quartas de final da Copa do Mundo no dia anterior.


Em 1994, por exemplo, Senna e jogadores da seleção brasileira masculina de futebol fizeram um pacto para trazer os dois tetras ao Brasil: na F-1 e no futebol. Nas pistas, não deu tempo. Mas, meses depois, após uma disputa suada nos pênaltis contra a Itália na Copa do Mundo, realizada nos Estados Unidos, a seleção conquistou o tão sonhado quarto título, após uma espera de 24 anos. Na comemoração dos jogadores, uma faixa se destacou no meio da festa dos atletas e da comissão técnica: “Senna… aceleramos juntos, o Tetra é nosso!”.


Não sei se ele curtia futebol de botão. Mas muitos de nós, do mundo botonista, gostávamos do Senna. Não é raro presenciarmos belos botões com artes que lembram seus icônicos carros da Lotus amarela ou preta, assim como botões com artes da McLaren ou aquele uniforme que o Corinthians fez em homenagem ao piloto, que torcia para o time paulista.

Assim como todo sábado é praticamente o “dia oficial de jogar botão”, todo dia primeiro de maio, Dia do Trabalhador, será sempre lembrado pela morte de Ayrton Senna. Assim como os domingos ficaram mais vazios sem suas corridas e vitórias.

Aos poucos, fomos preenchendo com outras coisas, outros afazeres, outros lazeres. A gente sabe se levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Corremos, pedalamos, curtimos uma manhã tranquila na rede na varanda ou jogamos futebol de botão. Se naquele domingo de 1° de maio de 1994 milhares de torcedores gritaram nos estádios: "Olê, olê, olê, olá, Senna! Senna!", nas arquibancadas dos meus jogos de botão a torcida segue gritando também, incentivando o time por vitórias que embalam a brasa assim como Senna tanto fez naquelas manhãs de domingo... 


A realidade pode até ser muitas vezes cruel. Em todo caso, o que vale é sempre ter esperança. Sabemos que dias melhores sempre virão, que amanhã vai ser outro dia. Afinal, como vão proibir quando o galo insistir em cantar? Amanhã, vai ser outro dia. Tão felizes como naquelas manhãs de domingo...

Giovanni Nobile é jornalista e fundador do Águia Branca Futebol de Mesa (time que nasceu nas quadras de futsal em Santo Antônio da Platina, no Paraná, fez um jogo em 1997, ganhou, e se orgulha de ser o time há mais tempo invicto no mundo - tudo bem que nunca mais jogou, mas essa é outra história). Seu melhor resultado nas mesas foi um vice-campeonato de etapa na série extra da Liga União, cuja medalhinha tem guardada até hoje. Há mais de 10 anos, vive em Brasília. Por aqui, traz crônicas aos domingos sobre o nosso Mundo Botonista.

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nobile@mundobotonista.com.br

(061) 98105-0356

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