Painel do Mundo
Por Giovanni Nobile (24/10/2021)
Domingo de manhã combina com uma boa média que não seja requentada, um pão bem quente com manteiga à beça, um guardanapo, e um copo d’água bem gelada. Domingo de manhã combina com crônica e, claro, com futebol de botão. E por falar nisso, fica impossível não lembrar de Luís Fernando Veríssimo. Ele já disse, um dia, que bom mesmo é futebol de botão, onde você pode ter quem quiser no seu time, sem limitações não só de verbas como de tempo e lógica. “Di Stefano fazia dupla com Zizinho, Stanley Matthews cruzava bolas para Leonidas, e nada impedia você de ir buscar talento fora do futebol: Albert Einstein de centro-médio e cérebro da equipe, por que não?” Luís Fernando Veríssimo certamente está na minha escalação como motor criativo da equipe. Discreto, mas muito habilidoso e com jogadas geniais como essa:
Imagem: Giovani Nobile
É dele também a seguinte frase: “Só o futebol permite que você sinta aos 60 anos exatamente o que sentia aos 6. Todas as outras paixões infantis ou ficam sérias ou desaparecem, mas não há uma maneira adulta de ser apaixonado por futebol”. Para mim, essa frase do Luís Fernando Veríssimo – presente no livro “Time dos sonhos: paixão, poesia e futebol”, da editora Objetiva – encaixa-se ainda mais perfeitamente ao futebol de mesa. Não por acaso, a capa do livro que reúne as crônicas do escritor gaúcho sobre o mundo futebolístico tem uma ilustração do escritor com uma pequena mesa de futebol de botão no colo.
A brincadeira da escalação de Einstein como cérebro do time... e também o título desse livro me fez pensar no que seria o meu time dos sonhos. As escalações são as mais variadas possíveis. Tenho uma seleção brasileira em vidrilha, por exemplo, que mistura Pelé, Ronaldo, Marta, Falcão, Garrincha e cia. Só craque. E tudo do meio pra frente, no mais puro conceito de que a melhor defesa é, de fato, o ataque. E mais: conta com craques como Allejo e Janco Tiano, jogadores fictícios dos jogos eletrônicos de futebol criados na década de 1990 para o International Superstar Soccer e para o Fifa, cujos nomes são cultuados até hoje pelos aficionados. Coisas que só o futebol de botão permite. E certamente você deve ter aí, também, sua própria escalação especial.
Só que percebi, nessa coisa de montar o time dos sonhos, tenho um sério bloqueio com goleiros. A posição é ingrata no futebol. Quando criança, o pior é que vai pro gol, por exemplo. No futebol, vários erros seguidos e um único acerto podem transformar qualquer jogador em herói. Menos o goleiro. O erro, para o goleiro, é fatal. Barbosa, com a maldição de 1950, sofreu por toda a vida por conta do Maracanazo. É, talvez, um dos goleiros mais homenageados do futebol de mesa, como forma de compensar essa maldade do futebol, imagino. Mas como não fez parta do meu imaginário futebolístico, talvez por isso eu não tenha nenhum Barbosa na minha mesa. Pensando agora, talvez teria. Mas não tenho.
Esse bloqueio com goleiros já me fez até pesquisar sobre os grandes da posição na história.
A revista France Football, mundialmente reconhecida por fazer levantamentos e rankings a respeito do mundo do futebol, chegou a divulgar listas, com critérios próprios, com nomes como Gordon Banks, Gianluigi Buffon, Iker Casillas, Manuel Neuer, Peter Schmeichel, Van der Sar, Dino Zoff e Lev Yashin. Dino Zoff, com seu recorde de 1.142 minutos sem levar gol em torneios internacionais entre 1972 e 1974 quase conquistou sua vaga em meus times. Mas nem essa marca foi suficiente. Gordon Banks, da Inglaterra, ganhou a Copa de 1966 e fez a “maior defesa de todos os tempos”, segundo especialistas, na Copa de 1970. Vocês sabem qual. Mas nem por isso o contratei para meu time. Assim como também não trouxe Lev Yashin, único goleiro que ganhou a Bola de Ouro até agora, o “Aranha Negra” é considerado o maior goleiro da história das Copas, tendo disputado o torneio quatro vezes pela ex-União Soviética. Ficou de fora.
A lista acima não trouxe latino-americanos. Talvez por isso esses nomes não tenham transitado bem pelos meus times. Faltou adaptação. Então fui buscar no folclórico Jorge Campos e suas roupas coloridas ou Higuita, que dispensa comentários. Ou até outros, menos emblemáticos, mas com suas grandes marcas na história, como Zetti, Ronaldo, Taffarel, Marcos, Dida, Rogério Ceni... Nada. É que pra estar no meu time dos sonhos, precisa de algo a mais. Belchior já dizia: “o amor é uma coisa mais profunda do que um encontro casual”. E o verso se encaixa nessa história, assim como foi justamente nos primeiros versos e acordes da música “A divina comédia humana, gravada originalmente em “Todos os Sentidos” (disco de 1978), que ele canta: “Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol quando você entrou em mim como um Sol num quintal”.
Por falar em música e goleiros, vale até conhecer a música “Goleiro” de Edvaldo Santana, sobre as dificuldades que goleiros enfrentam. Música que faz uma homenagem especial ao injustiçado Barbosa (citado no início deste texto), ao Mão de Onça, que defendeu o Ituano e o Juventus de SP, e Gilson, do Esporte Clube Bahia, time da várzea de São Miguel Paulista, bairro da periferia paulistana onde Edvaldo nasceu e cresceu, de acordo com registros da música pela internet. Mas se tem música e futebol juntos, Jorge Benjor tá no meio... Ele também tem uma música que se chama "Goleiro (vou lhe avisar)", do álbum "23", lançado em 1993. E lá afirma: "goleiro não pode falhar".
É isso! Encontrei o bloqueio na minha escalação botonística. Como eu poderia escalar um goleiro humano para meu time de futebol de botão se humanos vivem falhando?
O que fazer, então? Voltar em Veríssimo, que sabe bem que bom mesmo é futebol de botão, onde você pode ter quem quiser no seu time, sem limitações não só de verbas como de tempo e lógica. Fui na minha infância e, de lá, recrutei meus arqueiros. E se antes eu não tinha nenhuma opção para a posição no meu time dos sonhos, agora estou com um problema “bom”. Muitas opções para defender minha baliza. Neste meu time dos sonhos, quem sabe vocês não me ajudam nessa. Qual desses é o melhor para você? O Fiat Lux, com o “foguinho” estampado? Ou o “Pinheiro”?
Imagem: Giovani Nobile
Ou, ainda, o goleirinho dos botões comprados em padaria na década de 1990?
Imagem: Giovani Nobile
A escolha é fundamental. Afinal, todos os habitantes deste nosso mundo botonista sabem: o goleiro é sempre nossa última esperança.
Giovanni Nobile é jornalista e fundador do Águia Branca Futebol de Mesa (time que nasceu nas quadras de futsal em Santo Antônio da Platina, no Paraná, fez um jogo em 1997, ganhou, e se orgulha de ser o time há mais tempo invicto no mundo - tudo bem que nunca mais jogou, mas essa é outra história). Seu melhor resultado nas mesas foi um vice-campeonato de etapa na série extra da Liga União, cuja medalhinha tem guardada até hoje. Há mais de 10 anos, vive em Brasília. Por aqui, traz crônicas aos domingos sobre o nosso Mundo Botonista.
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