Painel do Mundo

o blog do
MUNDO BOTONISTA

Por Giovanni Nobile (07/11/2021)

Criatividade, inovação e conexão com o mundo.

Assim como o escritor está sempre escrevendo, o botonista está sempre palhetando. Na escrita, dominar a palavra é questão básica. No botão, o domínio da bola, redonda, quadrada ou em pastilha, no nosso Mundo Botonista, é como equilibrar-se em uma bicicleta. Lembro de quando eu andava de bicicleta ainda com rodinhas, para me ajudar nesse equilíbrio. Foi mais ou menos no mesmo período em que eu estava me alfabetizando e, também, dando as primeiras palhetadas. A pequena Caloi originalmente verde - que um tempo depois foi pintada de preto (creio eu, hoje, com o passar dos anos, por motivos futebolísticos) - bambeava para lá e para cá. E quando menos se esperava, as rodinhas estavam ali apenas como baliza imaginária para uma já inimaginável queda. O equilíbrio já havia se tornado natural, assim como é, para os experientes do botão, dominar em um, dois, três, quatro... onze toques e chutar uma bola perfeita no décimo-segundo. Jogar botão é como andar de bicicleta. É também como escrever, pintar, correr, meditar, tocar violão... 


Jogar botão, às vezes, é até mesmo como o simples ato de se deitar na rede e ouvir as cigarras zunirem, os pássaros cantarem, vendo os galhos do abacateiro pela janela balançando para lá e para cá. Jogar botão é uma questão de equilíbrio para a vida, assim como todo esporte ou atividade cultural. O futebol de botão não apenas é esporte (essa questão é um fato desde 1988, todos sabemos), mas também é cultura, e isso não precisa estar escrito em nenhum lugar, todos nós também sabemos, já que trombamos com nosso futebol de mesa em músicas e crônicas por aí. E, claro, nas verdadeiras artes que os grandes mestres artesãos do futebol de mesa criam em nossos times, seja na base do material sólido que dá origem aos jogadores, seja na verdadeira arte gráfica dos uniformes.


Dito tudo isso, o que eu gostaria de transmitir, nesta crônica (quase que em formato de carta direcionada aos botonistas, mas com a intenção de que tenha seu link compartilhado entre amigos e familiares distantes deste nosso mundo, para, quem sabe, atrair mais e mais adeptos), é que o futebol de botão é um ato de resistência com variadas facetas. Há a resistência crua e óbvia do futebol de mesa. Mas é também uma resistência no sentido de que é esporte e cultura ao mesmo tempo. E que isso faz do futebol de botão um incrível elo com o mundo físico, em que existem cheiros, texturas, formas, sons, gostos. O mundo que não é o virtual, ainda que ele também faça parte da vida moderna e que nos beneficiemos disso. Mas, ter a consciência de que o futebol de botão é uma porta de conexão com o mundo traz um ar de suspiro para nossa vida, sempre resmungada diante de tanta correria sem uma linha de chegada nítida.


Hoje em dia, muitas pessoas estão todo o tempo conectadas aos seus telefones, trabalhando em casa, na rua e nos meios de transporte. A tecnologia invadiu várias áreas de nossas vidas e, às vezes, fica difícil diferenciar o que é tempo de trabalho e o que é tempo livre. Por isso, é necessário criar limites e comunicar aos outros nossos interesses e estados de espírito. Estar conectado, normalmente, é justamente o que nos desconecta do mundo real. E para reforçarmos os vínculos com nossos pés no chão, junto dos amigos, família e, claro, de nós mesmos, desconectar talvez seja uma dica infalível. Mas como? Precisamos de momentos de pensamentos e ações livres, de atividades que alimentam nosso espírito e nossos corações, por meio do esporte, da cultura, do lazer e, inclusive, da escuta de si e do mundo. Ter momentos assim é se permitir acessar um estado em que nos distanciamos das atividades corriqueiras do cotidiano para prestar atenção em coisas que podem passar desapercebidas na correria do dia a dia. Mas, isso não vem do nada, assim, num estalar de dedos. Hoje, mais que em qualquer tempo, é preciso planejar o tempo livre com felicidade, criatividade e autocuidado. Planejar o tempo é preciso.


Perceber o tempo é necessário! Aliás, perceber o tempo é uma das habilidades mais difíceis no futebol de botão. Não que palhetar nas sutilezas da costura de uma zaga bem montada seja algo simples, longe disso. Não que um chute preciso, de canto, na gaveta, seja a coisa mais fácil do mundo: definitivamente não é! Mas, ter um verdadeiro relógio na cabeça, contando o tempo enquanto o jogo transcorre e saber o momento de acelerar uma partida para poder dar um chute no sino numa final de campeonato é algo mágico. Perceber o tempo é necessário não apenas no botão. É disso que precisamos na vida, para que ele não escorra pelas mãos

O pensamento gosta de voar, e o tempo, de voar junto. De vez em quando, ele para e passa bem devagar, mas isso depende sempre do que estamos fazendo e do nosso estado de concentração. Perceba como o tempo passa e deixe as mãos, olhos, pulmões, cabeça e coração trabalharem junto com ele. Vivemos em uma época na qual o tempo passa muito rápido, muitas vezes embalado num clima morno de uma tarde vazia enquanto passamos o dedo pela barra de rolagem de uma rede social qualquer. E é muito comum ouvir, entre pessoas de todas as idades, que não temos tempo para nada, pois estamos muito cansados, fazendo mil coisas e correndo de um lado para o outro. Por conta disso, é normal que às vezes tenhamos uma vontade enorme de descansar e não fazer nada. Simplesmente ficar à toa, recuperando o corpo, sentindo o tempo e a vida. É aquela vontade de relaxar, sabe?


Isso talvez seja fruto de um longo processo social e cultural que nos leva a pensar que precisamos produzir o tempo todo. Mas, vejam que ironia: quando estamos cansados, não somos muito produtivos. Às vezes, é necessário ficar com a mente “à toa” para conseguir ter grandes ideias, resolver problemas de forma criativa e não aceitar as coisas como são. Uma mente cansada não pensa muito bem, mas alguém que se permite descansar, desligar da tecnologia e se conectar com o mundo real, talvez tenha muito a dizer sobre este mundo de terra-ar-e-água em que vivemos. Ativar nosso módulo offline é também potencializar a criação em nossas vidas. Momentos de descanso e reflexão carregam em si um potencial transformador muito grande. É nas rachaduras das estruturas de um mundo acelerado que mora o pensamento frutífero. É nas rachaduras do asfalto que às vezes brota uma flor bela, colorida. É na rachadura do asfalto das vias conectadas que resiste o futebol de botão. O futebol de botão aguça estratégia, coordenação motora fina em movimentos manuais e emoção offline. Tudo isso viabiliza maior conexão com o mundo real, ainda que seja também no espaço virtual que a modalidade desportiva de salão venha tendo cada vez mais evidência em fóruns de debates online. O futebol de botão, como esporte e arte, abre portas para a criatividade, inovação e conexão com o mundo real. Ele nos ajuda a perceber o tempo ao nosso redor. O futebol de botão é, sem muito exagero, um pequeno manual sobre viver a vida plena. Compartilhe sem moderação.

Giovanni Nobile é jornalista e fundador do Águia Branca Futebol de Mesa (time que nasceu nas quadras de futsal em Santo Antônio da Platina, no Paraná, fez um jogo em 1997, ganhou, e se orgulha de ser o time há mais tempo invicto no mundo - tudo bem que nunca mais jogou, mas essa é outra história). Seu melhor resultado nas mesas foi um vice-campeonato de etapa na série extra da Liga União, cuja medalhinha tem guardada até hoje. Há mais de 10 anos, vive em Brasília. Por aqui, traz crônicas aos domingos sobre o nosso Mundo Botonista.

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nobile@mundobotonista.com.br

(061) 98105-0356

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