Painel do Mundo
Por José Carlos Cavalheiro (30/06/2021)
Futebol de botão e biologia.
Em biologia existe um conceito chamado “evolução convergente”, é quando duas ou mais espécies que não possuem um grau de parentesco, ou ancestral comum próximo, se assemelham estruturalmente e fisiologicamente entre si, devido às condições ambientais semelhantes em que vivem, ou seja, possuem uma analogia, mas não estão relacionadas evolutivamente.
No futebol de botão ou de mesa, como o leitor preferir, costumamos pensar que nós, brasileiros, somos os inventores do jogo. Remetemo-nos a Geraldo Décourt ou mesmo a Ataulfo Alves que na sua famosa canção “Meus Tempos de Criança” falava de “jogo de botões sobre a calçada” e que “era feliz e não sabia”. Entretanto, esse transporte lúdico do futebol para uma mesa aconteceu em diversos lugares do mundo e nem de longe é uma exclusividade nossa.
Na Hungria, o futebol de botão chegou, como o esporte que imita, da Inglaterra e em terras magiares é conhecido como gombfoci. No início dos anos 1900, quando os treinadores ingleses mostravam aos húngaros como jogar futebol, eles ensinavam a estratégia da equipe com botões sobre uma mesa. Os jogadores reproduziam, então, as demonstrações táticas em casa, usando o que quer que pudessem encontrar, geralmente um botão (gomb) ou dois, transformando a mesa da cozinha em uma réplica de um campo de futebol (foci). Assim nasceu o
gombfoci.
O jogo realmente decolou no início dos anos 1950, quando o futebol húngaro dominou a Europa e todos queriam imitar seus heróis. Botões de gombfoci começaram a mostrar os rostos de jogadores famosos na parte superior. Os meninos realizavam partidas entre equipes diferentes e logo havia times produzidos para cada temporada. Lá, como aqui, o futebol de botão evoluiu para um esporte, o Sectorball.
As origens do futebol de botão na Catalunha remontam aos anos 1940, durante a guerra. Naquela época de escassez havia poucas opções e meninos e meninas se divertiam com brinquedos que eles mesmos confeccionavam. Ninguém sabe exatamente como ou por que, mas nas escolas, especialmente nas dos Jesuítas, alguns professores deram botões aos alunos sugerindo que eles jogassem durante seu tempo de lazer. O jogo de botões rapidamente se espalhou em outras escolas em Barcelona e mais tarde por toda a Catalunha e, muitas vezes, se viam crianças brincando no chão ou sobre uma mesa com as traves feitas de papelão ou madeira. Nessa época, começaram os "ataques" às caixas de costura da mãe e da avó para pegar botões de camisas a fim de usá-los como bola e como grandes jogadores do futebol da época.
A partir dos anos 1970, com o aparecimento do plástico e um maior poder de compra das famílias, as crianças começaram a ter acesso a novos brinquedos e o futebol de botão foi desaparecendo, tornando-se um "jogo de pobres". No entanto, continuou a ser praticado em casa, onde os pais, que aprenderam na escola, seguiram convertendo a mesa de jantar em campo de jogo. O futebol de botão ficou, assim, relegado à esfera doméstica. A caixa de costura da avó continuou sendo o principal fornecedor de "jogadores". No final da década de 1980, os lojistas começaram a perceber que as crianças compravam botões para jogar e não para costurar. Para uma criança, entrar em uma loja de aviamentos era como estar em um palácio cheio de brinquedos e a situação permaneceu assim até meados dos anos1990, quando a primeira associação para a prática do jogo foi criada na Catalunha. Nos dias de hoje, o futebol de botões se espalhou por outras regiões da Espanha, como na Comunidade Valenciana e na Andaluzia. O futebol de botões praticado por lá assemelha-se à modalidade 1 Toque, sendo permitido um toque por jogador, por vez.
Na Polônia, onde se joga de forma organizada desde 1982, a evolução convergente também se fez notar. Entretanto, os poloneses movimentam seus botões de roupa com os dedos, tal qual alguns baianos ainda jogam nos dias de hoje.
Pelo fato de serem jogadas com botões de roupa adaptados, todas essas variantes têm similaridades com aquela que é praticada na cidade de Salto, no Uruguai. Curiosamente, o futebol de mesa chegou à cidade através de um professor brasileiro de Educação Física. Nesse caso, temos a “evolução divergente”, que é quando a partir de uma espécie se originam outras. Nesse caso, divergiu do que nós jogamos e se aproximou do que se pratica na Europa. Outras similaridades poderiam ser citadas, porém não convém cansar o leitor.
É importante notar que tanto a biologia quanto o futebol de botão são fascinantes, pois suas evoluções são constantes e nunca saberemos aonde elas nos levarão.
Formado em Agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, José Carlos Marques Cavalheiro, nasceu na capital carioca no ano de 1962. Foi atleta de futebol de mesa na modalidade Bola 12 Toques de 1998 a 2005, quando foi viver em diferentes lugares: São Paulo, Paris, Jundiaí e Bogotá, onde atualmente reside. É o responsável pelo site da FEFUMERJ desde dezembro de 2004. Atualmente exerce o cargo de Diretor de Comunicação da entidade.
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