Painel do Mundo
Por José Ricardo Almeida (10/08/2021)
Como tudo começou.
A difícil tarefa de um historiador do futebol de mesa: identificar a origem precípua do esporte.
Não há literatura específica, nem documentos históricos e, tampouco, é possível precisar em que época teria sido iniciada a prática do futebol de mesa, o que certamente aconteceu após a introdução do futebol no Brasil, por Charles Miller, em 1894. Não sabemos em que local e data foi disputada a primeira partida, quantos botões foram utilizados, de que tamanho era a mesa, de que formato era a bola, nem o tipo de regra utilizada. Não seria errado supor que o jogo de botões, atualmente transformado e regulamentado nacionalmente no esporte Futebol de Mesa, originou-se no dia em que um garoto qualquer, por não poder jogar futebol na rua, resolveu improvisar uma atividade e transformar os botões das roupas de sua mãe em grandes craques e, para isso, numa mesa, fez os contornos de um campo, juntou um par de balizas, dez botões de cada lado e dois paralelogramos que serviriam de goleiros e decidiu reconstituir uma partida de futebol. Estava, assim, inventada mais uma modalidade esportiva, um verdadeiro futebol em miniatura.
Contudo, o que parece quase certo, tomando-se por base os escassos arquivos particulares existentes da época, velhas publicações e até mesmo a memória de alguns abnegados, é que a origem de tão atraente esporte data do começo do século XX, embora somente na década de 20 é que ele tenha começado a sair de seu anonimato, a ganhar maior difusão. O registro mais antigo que temos sobre o futebol de mesa consta no livro “Campos Sales,118 – A História do América”, de Orlando Cunha e Fernando Valle, publicado em 1972. Lá, nas páginas 93 e 94, está escrito: “Em 1917, a principal preocupação dos mentores rubros foi intensificar a vida interna do clube, buscando a presença mais freqüente dos sócios e adeptos, quer em suas atividades esportivas, quer nas sociais”. E continua: “Outra seção organizada, esta a 22 de agosto, foi a de futebol de mesa, que outra coisa não era senão o apreciadíssimo ‘jogo de botões’, responsável por tantas horas de deleite na infância de todos nós”.
Em 1922, Higino Mangini e seu irmão Francisco conheceram Geraldo Cardoso Décourt e o ensinaram a jogar o futebol de botões. Antes de possuírem uma mesa apropriada, as partidas eram disputadas na escadaria de suas casas, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, então Capital Federal. Ao trio de amigos se juntaram Mario Sallorenzo, José da Silva, Rudolph Langer, Oscar Vieira e Jaime Ferraz, e os primeiros campeonatos surgiram naturalmente, ainda em 1922. Também na década de 20, sem que se saiba com exatidão o ano, em Belém do Pará, foi realizado um campeonato de futebol de mesa, com a participação de 20 técnicos. O campeão foi Amélio Carvalho Silva.
Em 1928, Geraldo Décourt lançou o nome título Futebol Celotex, devido ao material (chapas para forros e paredes, uma espécie de aglomerado feito das fibras do bagaço da cana de açúcar) fabricado pela The Celotex Company, de Chicago (EUA), representada no Brasil pela International Machinery Company, onde ele trabalhou, no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, em São Paulo, Waldemar Carvalho, jogando com o Paulistano, sagrou-se campeão da Associação de Amadores de Football Celotex - AAFC. Em 1º de agosto de 1929, tiveram início as inscrições para o primeiro Campeonato Carioca de Futebol Celotex. A primeira inscrição foi de autoria de Geraldo Décourt, com o seu time Nacional. Também inscreveram-se Alberto Fernandes (Hespanha), Rudolph Langer (Rápido), José da Silva (Santa Theresa) e Francisco Mangini (Califórnia). Como troféu de campeão, Décourt recebeu um prêmio de grande valor: um jogador impulsionando uma bola, sobre um pedestal de pedra. Os jogos foram divulgados nos jornais A Ordem e Rio Sportivo.
O passo decisivo para um maior reconhecimento do Futebol Celotex foi dado ainda em 1930. Decorridos dois anos da fundação da Liga de Amadores do Football Celotex, Geraldo Décourt mandou imprimir, na cidade do Rio de Janeiro, 1.000 exemplares das "Regras Officiaes do Football Celotex", depois de intenso trabalho de pesquisas e estudos, principalmente nos anos de 1928 e 1929. Essas regras, criadas pela necessidade de evitar desnecessárias brigas, terminaram por firmar um conjunto de normas que disciplinavam a prática e foram aceitas pela quase totalidade dos praticantes. Pouco a pouco, o novo esporte começou a ganhar corpo, espalhando-se por todo o país, devido à divulgação simultânea em vários jornais do Rio de Janeiro e São Paulo, despertando interesse Brasil afora. Após esse acontecimento, o Futebol Celotex alcançou um desenvolvimento surpreendente. De todas as partes do Brasil chegavam notícias sobre o novo esporte. O suplemento esportivo de O Cruzeiro destacou com fotos a presença de Jota Soares, campeão pernambucano de Futebol Celotex de 1930, atuando no estádio Carlos Prestes, em Recife.
Surgiram entidades dirigentes em vários Estados. Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo e Belo Horizonte já possuíam o mesmo material e as mesmas dimensões para a mesa de jogo. As mesas eram constituídas de um estrado de madeira sobre o qual se colocava uma chapa de celotex de 2,44 m x 1,22 m. O lado mais áspero da chapa era o que servia de campo de jogo, pois impedia que a bola, esférica, de madeira leve ou miçanga forrada com linha de crochê, corresse demais. O campo era colorido de anilina verde e as linhas demarcatórias eram brancas. Os botões tinham, geralmente, 50 milímetros de diâmetro e eram colados sobre bases de madeira, especialmente torneadas para esse fim.
Algum tempo depois, Jurandir da Silva Marques, "cobra" da época e conhecido até hoje pelos que se interessam pela história do futebol de mesa, com a aquiescência de Geraldo Décourt, modificou um pouco as "regras officiaes", para que o jogo ficasse mais parecido ainda com o futebol de campo.
Decorridos mais de cem anos, não há dúvidas de que a modalidade atingiu grande popularidade e um respeitável número de adeptos em todos os Estados do Brasil e em alguns países. Se, em todos esses anos, não tivemos condições de definir quem foi o criador do futebol de mesa, torna-se necessário agradecer a todos aqueles que, lembrados ou já fazendo parte do esquecimento perpétuo, fizeram alguma coisa para que o nosso esporte chegasse hoje ao estágio grandioso e irreversível em que se encontra.
Biblioteca de "Em Algum Lugar do Passado"
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O baiano radicado em Brasília (DF), José Ricardo Caldas e Almeida, é adepto da modalidade 3 Toques, tendo atuado como diretor técnico e presidente da Federação Brasiliense e da CBFM 3 Toques. Sempre preocupado em arquivar a história do futebol de mesa, Zé Ricardo foi responsável pelo "K entre nós", boletim distribuído para todo o Brasil ainda na era pré-internet e, com a chegada dos computadores, passou a fazer esse mesmo tipo de trabalho em blogs e sites. Desde 2018 é o responsável pelo Museu Virtual do Futebol de Mesa (no facebook) e atualmente chefia o Núcleo de Memória e Pesquisas Históricas do Canal Mundo Botonista.
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