Painel do Mundo
Por Giovanni Nobile (21/11/2021)
Tua máquina do tempo te leva ao passado ou ao futuro?

Primeiro, gostaria de dizer que escrevo essa coluna de hoje ao som de B.B.King. Isso será irrelevante para o restante da crônica, mas notável, já que quando o assunto é botão, normalmente as músicas que conectam mais a este universo são a bossa nova, o chorinho e o samba, às vezes o rock também. Já o blues é novidade pra mim no momento do botão. Bom... como eu disse, isso não tem importância com o restante do texto, mas fica como dica para quem curte uma boa música. Vamos lá: “se você pudesse escolher entre uma máquina que te leva para o futuro e uma máquina que te leve para o passado, qual você escolheria? ”Essa pergunta faz parte de um projeto muito interessante de um podcast que ouço de vez em quando que se chama “Para dar nome às coisas”, da jornalista Natália Sousa. Ele não fala de futebol, futebol de mesa, nem nada disso. Mas fala sobre a vida. O que é praticamente a mesma coisa que futebol ou futebol de botão, também, concordam? Enfim...
O fato é que me apeguei a esta questão, jogada aleatoriamente, para perceber que no nosso esporte não é nada raro nos apegarmos demasiadamente ao passado. Anotei isso num bloquinho. E aí fui querer entender um pouco disso – sem nenhum método científico, mas com meus métodos próprios de produção de crônicas, que se resumem a anotar coisas interessantes que ouço ou leio para ir pensando ao longo da semana e costurando as ideias, as palavras, alinhavando trechos dos outros com frases minhas, para que os textos tomem forma e ganhem alguma vida própria.
Essa reflexão se intensificou quando li o que o pai do Mundo Botonista, Jeferson Carvalho, escreveu, ao divulgar minha crônica da semana passada. Ele disse que eu derrubei “um balde de nostalgia sobre nossas reminiscências botonísticas mais preciosas”. Aquilo marcou. Anotei num canto. Depois, na bela crônica “Voltar no tempo”, de Márcio Bariviera, para a coluna da qual sou leitor assíduo aqui no portal, Jeferson escreveu no post de divulgação que o cronista “nos fala dos imemoriáveis tempos de criança que não voltam mais - mas que se fosse possível, adoraríamos reviver”. É isso: Márcio consegue resgatar até mesmo aquilo que está além do alcance da memória e da lembrança. Bom, anotei também. E assim foi se formando a crônica que aqui escrevo hoje.
Oras... tudo isso estava batendo muito com aquela minha reflexão anterior sobre a questão que ouvi no podcast: “Se você pudesse escolher entre uma máquina que te leva para o futuro e uma máquina que te leve para o passado, qual você escolheria?” A jornalista fez tantas outras reflexões e num determinado momento fui entendendo algumas coisas importantes sobre essa relação entre passado, presente e futuro. E gostaria de trazer aqui à luz dos nossos debates sobre futebol de mesa. De digressão em digressão, agradeço ao leitor que me acompanhou até este parágrafo. A partir daqui, prometo que a leitura será mais direta.

É notável reconhecer que nós, botonistas, amamos o passado. Ah, os saudosos botões das décadas de 1970, 1980, 1990. Os times clássicos, que marcaram época. Os uniformes da antiga Adidas, da Finta, da Topper, da Rainha! Bangu, XV de Piracicaba, América, Juventus (o de São Paulo)...
Como a nostalgia faz parte do nosso futebol de botão. E sabe o motivo disso? É que só sente saudade quem viveu. Isso mesmo. Saudade é para quem viveu. Saudade é a mais pura comprovação de que a gente estava lá, comprometido com o presente. Sentir saudade é para quem sabe ter envolvimento emocional e verdadeiro com o momento vivido. Por isso que a vida escorre pelo vão dos dedos nas redes sociais... E por isso que o futebol de botão nos ajuda a nos reconectarmos com a vida. E vejam só que coisa boa: foi aí que percebi que estamos, no nosso Mundo Botonista, justamente cultivando bons momentos presentes. Somos seres especiais, que poderemos sentir saudades, no futuro, do momento que estamos desfrutando hoje, já que nosso esporte traz um envolvimento real e profundo no hoje, no agora. Com o futebol de mesa, exercitamos – num mundo hiperconectado – a incrível proeza de estarmos onde estamos (leiam com atenção para perceber o quanto isso é difícil, hoje em dia). Ou seja: não estamos “zapeando” numa rede social qualquer enquanto jogamos. Ali, na mesa, estamos presentes de corpo, alma e pés no chão.
Por falar em corpo e alma, outra coisa que anotei nesta semana é que tem coisas que nossa alma sente primeiro. A alma capta, entende, e depois colocamos as coisas em planos racionais. E foi só depois de um tempo que conseguimos entender que palhetar não é sobre fazer gol. Palhetar é sobre saber viver a vida. Nós, crianças, estávamos ali palhetando e nossa alma já conseguia ir captando tudo aquilo que entendemos muito bem, hoje, o quanto cada jogada significaria para moldar até mesmo nosso caráter nos dias de hoje, passados tantos anos e décadas.
Enfim, prometi numas linhas acima que eu seria mais objetivo, mas cá estou novamente em rodeios sem fim. O que eu queria registrar é que “saudade é o azar de quem já teve muita sorte na vida” e que “saudade é o lembrete de que eu estava lá quando eu estava lá”. Frases que fui anotando, como disse no começo desse texto, e que agora ganham algum sentido mais amplo. E que também trazem a leveza de mostrar que felizmente não estamos eternamente presos ao passado. Temos, no futebol de mesa em nossas vidas, certamente um belo futuro pela frente.
Cheguei a notar também que “plantar e fazer as mudanças que a gente sonha em fazer são gestos de confiança na gente e na própria vida. O que é tão valioso, que ainda vale a pena plantar e insistir, regar a semente. Olhar para nossos projetos como se fossem hortas nos coloca em contato com o que é inegociável para a gente. E mesmo percebendo que a semente não nasceu e diante da semente que não rompeu e do solo que não deu frutos, sabemos que valeu a pena. E que uma hora vai dar certo”. Vejam só que parágrafo que, por si só, já daria uma bela crônica sobre nossa insistência bela e poética de conquistar novos botonistas. Sigamos regando nossa horta botonística.
Ah! E respondendo à questão do início, sem deixar a máxima de que nós, botonistas, amamos o passado, eu acho que é justamente para lá que a máquina do tempo me levaria. Eu iria ao passado, falaria algumas coisas importantes para aquele menino palhetando no chão da sala e, depois, deixaria a vida fluir livre e leve, para pedir pro gol e mandar bola na gaveta do futuro que temos pela frente, sabendo que eu e aquele menino que fui ontem, temos, ainda hoje, uma bela amizade, dessas que só o futebol de botão é capaz de proporcionar. E você? Anda somando boas saudades no seu dia a dia?
Giovanni Nobile é jornalista e fundador do Águia Branca Futebol de Mesa (time que nasceu nas quadras de futsal em Santo Antônio da Platina, no Paraná, fez um jogo em 1997, ganhou, e se orgulha de ser o time há mais tempo invicto no mundo - tudo bem que nunca mais jogou, mas essa é outra história). Seu melhor resultado nas mesas foi um vice-campeonato de etapa na série extra da Liga União, cuja medalhinha tem guardada até hoje. Há mais de 10 anos, vive em Brasília. Por aqui, traz crônicas aos domingos sobre o nosso Mundo Botonista.
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