Painel do Mundo
Por Gustavo Martorelli (04/04/2024)
Inspirado em Dapper gentlemen playing billiards in Bosnia and Hercegovina 1920s (colorized) in reddit.com
Joguei futebol de mesa por 15 anos ininterruptos e, por questões pessoais, em 2012 decidi que era hora de dar um tempo para focar em outras questões da vida. Estava um pouco cansado da dedicação que até então colocara no esporte. Enfim, fui viver o que precisava viver. Casei, tive três filhos e fui morar fora do Brasil. Até que aquele vírus que estava alojado no meu organismo, até então inoculado e não apresentando sintomas da doença, resolveu se manifestar. Estou falando da doença do futebol de mesa mesmo, que me trouxe de volta uma vontade de jogar que não tinha havia muitos anos. O problema é que eu estava morando fora e sem chance nenhuma de encontrar gente que compartilhasse da mesma doença. Por alguns motivos retornei ao Brasil em 2022 e após alguns meses resolvi ir encontrar meus amigos do Meninos FC – clube que defendi anteriormente – pra matar aquilo que estava me matando. Ali descobri que o Campeonato Brasileiro de Equipes 2023 seria realizado em São Bernardo do Campo e decidi com o pessoal do clube que eu me esforçaria para estar presente naquele feriado de 2023 e aproveitar o torneio que eu penso ser o mais legal de se jogar em todo o circuito. E assim foi, tudo deu certo e eu pude estar lá.
Passada a euforia do primeiro momento, revendo muitos amigos e fazendo as mesmas piadas de há 20 anos, comecei a perceber a nova realidade do esporte (claro que o “novo” ali era eu). Para minha grata surpresa vi muitas novidades extremamente positivas: o material de jogo evoluiu muito – times feitos com novas técnicas e com riqueza de detalhes e beleza inimagináveis, bolinhas muito mais precisas do que as antigas de feltro, traves evoluídas com novo conceito e até as mesas estavam excelentes.
Apenas um fato me chamou a atenção negativamente: a incrível lentidão com a qual alguns jogadores estavam jogando. Alguns desses que, até quando eu jogava anteriormente, eram conhecidos por jogarem rápido e até de forma afobada, estão jogando como tartarugas (parece que estão dopados!). O que piora um pouco esse fato é que, obviamente, isso acontece quando estão na frente do placar e utilizam essa manobra para ganhar tempo, ou fazer "cera" – no popular. Então pude relembrar sobre a dificuldade que alguns atletas têm em simplesmente seguir a regra do jogo propositalmente. O famoso antijogo dominava várias mesas à medida que o torneio acontecia e isso é angustiante até para quem conhece a regra e está assistindo, quiçá para quem está sendo a vítima de tamanha deslealdade.
Entendo que nosso esporte é amador e não tem arbitragem, mas isso não pode ser desculpa para que a regra seja desrespeitada, pois todos os atletas devem conhecer a regra e seus prazos para chute, arrumação de goleiro, toques e etc. É de conhecimento de todos também que toda vez que a vítima do antijogo pede falta técnica ou reclama de alguma forma sobre o que está sofrendo, passa a ser taxado de chato, reclamão ou qualquer coisa que o valha, e isso é um absurdo completo. Não conheço nenhum esporte onde a regra é desrespeitada e nada aconteça contra o infrator. Só há mudança nessa má atitude quando a consequência é absolutamente indesejada.
Talvez fosse interessante que a regra mudasse para punir mais severamente tais atos, mas acho que tudo começa nos valores que permeiam nossa consciência. Nossa atitude é sempre consequência direta daquilo que temos dentro de nós. Se o resultado é o que mais importa, custe o que custar, seguir as regras está em segundo ou terceiro plano. Entretanto, se o valor é realizar o melhor jogo possível, respeitando regras e adversários, então é possível que tudo ocorra honesta e transparentemente. Toda vitória conquistada com subterfúgios carrega um asterisco eterno, pois uma vitória só é dignificada quando é conquistada dentro da regra. Tem a ver também com a imagem que queremos transmitir e sobre como queremos ser lembrados. É mais profundo.
Ser competitivo nada tem a ver com tentar ganhar a qualquer custo e alguns “confundem” esses conceitos. Quando iniciei no esporte aos 12 anos, aprendi logo de cara que o Futebol de Mesa é um jogo de cavalheiros e prefiro seguir acreditando e praticando dessa forma. Bom jogo!
Gustavo Martorelli, conhecido como Guga, nascido em São Caetano do Sul (SP), é federado desde os 12 anos quando oficializou uma tradição de família. Hoje é empresário em Campinas e formado em Direito e Teologia. Passou por ABREVB, São Judas, Meninos FC e Palmeiras. Voltou a defender o Meninos FC em 2023. Morou em diversos países como África do Sul, Senegal, Gâmbia e Jordânia, trabalhando com desenvolvimento humanitário e, além do arroz e feijão, do que mais sentiu falta foi de jogar botão.
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